UMA QUESTÃO DE AUTORIDADE

Quem manda e quem obedece, nas suas diferentes vertentes, sempre foi a grande questão organizacional das igrejas. Este problema chega inclusive a condicionar as respectivas doutrinas.
Ao analisar a questão do governo eclesiástico, deve-se também ponderar a questão da forma como legalmente é constituída uma igreja, pois cada país tem as suas regras. É conveniente articular-se a questão administrativa e legal com a área eclesiástica
Pode-se considerar, que a questão do governo eclesiástico é em última análise, uma questão de autoridade e de quem tem o direito de exercê-la. A maioria dos crentes, não tem dúvida em responder que Deus é a única autoridade, mas têm alguma dificuldade em explicar como é que Deus exerce a autoridade dentro da assembleia local. Esta questão tem atravessado toda a cristandade desde o início da Igreja.
A questão muitas vezes é colocada da maneira em que a autoridade é a representação divina nesse lugar. O líder, ou os líderes, ou quem quer que seja, são os procuradores de Deus, são a personificação da autoridade divina. Este problema é no entanto mais grave quando se assume ditatorialmente o exercício da vontade divina, seja personificado apenas numa pessoa, seja a ditadura da maioria, seja o poder nas mãos de um pequeno grupo que se assume como o único interlocutor válido. O argumento do governo teocrático acaba geralmente na velha natureza de quem o exerce. A humildade evapora-se com exercício do poder.
Neste prisma, o relacionamento com Deus é sempre filtrado por um mediador, seja individual ou colectivo, em que existe a tendência para se exaltar o papel dos eleitos .
Para se analisar a questão do governo eclesiástico, tem-se em primeiro lugar compreender o papel do Espírito Santo, pois é através Dele que cada crente é capacitado para a sua missão e ministério.
A maneira do Espírito Santo se relacionar com as pessoas varia de acordo com as épocas. O relacionamento do Velho Testamento, no período de Israel como nação, é diferente do relacionamento do Novo Testamento, logo a questão da liderança da igreja terá que se adaptar a esta nova realidade.
No Velho Testamento, as nações vizinhas tinham de deslocar-se a Israel para experimentarem a presença de Deus, e mesmo dentro de Israel, Deus, raramente se manifestava fora do templo. Neste período a unção do Espírito de Deus era somente para alguns indivíduos e esta mesma presença era temporária. Pode-se dizer que nesta época o Espírito Santo andava com o povo de Deus.
Com este tipo de relacionamento, também a liderança é afectada e neste tempo as lideranças geralmente eram individuais. Temos o exemplo do tempo de “Juízes” e de “Reis”. Qualquer que fosse o comportamento do líder, este em caso algum podia ser posto em causa. O respeito pela unção de Deus, atingiu o seu máximo quando David, o novo rei, não quis usurpar a coroa do rei vivo, Saúl, por temor à unção divina.
No Novo Testamento, a partir do dia de Pentecostes, tudo mudou. Jesus Cristo, tinha consumado a reconciliação com Deus na cruz. Mudou-se o sacerdócio, necessariamente mudou a lei (Hb 7:12). Esta nova forma de actuar do Espírito Santo, estava a baralhar todos os espíritos, pois Deus manifestava-se aonde quer que estivesse um crente. O Espírito Santo tanto habita no meio da congregação dos crentes (2Co 6:16), como habita individualmente em cada crente (1Co 6:19). Vemos em outras passagens que o Espírito de Deus capacita alguns para a liderança, o próprio apóstolo Paulo nas suas cartas pastorais, aconselha quer Timóteo ou Tito na forma como hão-de seleccionar a liderança.
"E ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores." (Efésios 4:11)
Estes alguns dos ministérios de liderança dados à Igreja para o aperfeiçoamento dos santos, no entanto, nenhum destes ministérios é superior a qualquer outro ministério dado ao Corpo (Rm 12:6-8), sendo antes, o complemento uns dos outros, para que em união do mesmo Espírito, prossigam a vocação do evangelho. O apóstolo João, na sua terceira carta, chama-nos à atenção de um tal Diótrefes, que gostava de ter a primazia entre os irmãos da comunidade a que pertencia. Seguindo os ensinamentos de João não devemos imitar tais atitudes superiores, chegando o apóstolo a dizer que fazem parte do mal.
A questão mantém-se: Será o povo simples ovelhas obedientes, cegas e mudas, e a liderança ou o líder os ouvidos privilegiados de Deus. Há luz desta teoria como interpretar as seguintes passagens:
"Eu próprio, meus irmãos, certo estou, a respeito de vós, que vós mesmos estais cheios de bondade, cheios de todo o conhecimento, podendo admoestar-vos uns aos outros." (Romanos 15:14)
"Semelhantemente vós jovens, sede sujeitos aos anciãos; e sede todos sujeitos uns aos outros, e revesti-vos de humildade, porque Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes." (1ª Pedro 5:5)
Se a admoestação e a sujeição terá de ser interactiva, com amor e humildade, qual é o lugar das ovelhas e o dos líderes ?
A questão da liderança, como quase todas as questões teológicas criadas pelo Homem, ainda hoje são turvadas pelo pecado. Jesus no seu ministério terreno, bem tentou explicar que o relacionamento entre os crentes era diferente do das pessoas do mundo. A liderança é baseada no respeito, no servir, no amor, e no ouvir do Espírito e na comunhão comum com Deus.
Alguns exemplos históricos, mostram uma faceta aproximada do que deve ser uma congregação em harmonia e ungida, mas com o passar do tempo a humanização da comunidade leva ao desmembramento da vontade de Deus. As personalidades fortes, ou os bem falantes, ou questões financeiras, tem tendência a dominar os outros, se são místicos, empurram a congregação para a religiosidade, se não o são, há a tendência para a humanização.
O que acontece é que quando se dá demasiada importância à autoridade e ao controlo, diminui a importância e consequentemente a participação dos outros membros. A congregação transforma-se numa organização, começa a funcionar por si só, pelo efeito das pessoas. A orientação do Espírito Santo torna-se quase diminuta. A Sua presença e influência começa a diminuir, e até por vezes torna-se supérflua.
Em caso algum, alguma congregação pode ter uma estrutura em pirâmide, com um líder superior, sendo por vezes substituído por um grupo. Neste caso há a tendência dos líderes, seja o individual ou os membros colegiais, de se tornarem intocáveis.
Por outro lado à também a tendência da democratização, ou seja, as reuniões plenárias da congregação, em que as minorias se submetem às maiorias. Havendo no entanto a questão da manipulação de massas, que é uma táctica sobejamente conhecida. Se Deus fala a todos por igual, como é que numa congregação pode haver opiniões diferentes. A resposta é que nem todos ouvem, ou, então cada um interpreta à sua maneira, ou então estão num estado de crescimento espiritual diferente.
Cada teoria tem os seus argumentos para defender os seus pontos de vista.
Em alguns manuais teológicos são analisados algumas formas de governo, mostrando as vantagens e as desvantagens de cada uma.
Continuamos a querer impor aos crentes, cópias dos diferentes tipos de governo existentes no mundo e olhando para o passado, vê-se que cada época histórica tem o seu tipo de governo, que se vão esgotando com o tempo. As igrejas, para se integrarem na sociedade tentam aplicar versões religiosas dos governos mundanos.
Uma ilustração de como deve ser a organização de uma congregação será como a visão de uma rede. Os elos estão interligados uns aos outros, não há uns mais importantes que outros, aonde todos parecem iguais, mas são todos diferentes. Embora alguns elos tenham uma ligação específica aos postes, mesmo estes dependem dos outros, e nem sequer são diferentes. Ao longe uma rede parece uma unidade, ao perto apercebe-se da singularidade de cada unidade. A força e capacidade de uma rede está dependente da união entre os elos.
A Igreja é considerada por Deus como uma unidade indivisível, e capacitada em conjunto para o cumprimento em bloco dos objectivos para que foi criada.
A união dos crentes não depende de cada pessoa, mas do colectivo. Cada um é capacitado para o que for necessário e segundo a vontade de Deus, e como o Espírito que capacita é o mesmo não há diferenciação de trabalhos, cada um tem de respeitar o trabalho dos outros e considerá-lo mais importante que o seu. Só assim uma congregação é uma unidade, e para ser funcional tem de ter todos os componentes, tem de ser completa, senão é deficiente.
A ilustração que o apóstolo Paulo nos deu foi a de um corpo, só que a tendência é que muitos querem ser a cabeça, esquecendo-se que esse é o único elemento indispensável e que já está ocupado eternamente.
Não nos podemos esquecer da inclinação natural do ser humano para o mal, e assim cria planos para si mesmo, interferindo com os planos de Deus.
A questão de autoridade, de condução, de liderança, de guia, de visão só se coloca quando o Plano de Deus deixa de ser prioridade, e a imagem da autoridade da liderança é mais importante que a de Deus.
Precisamos da intervenção do Espírito de Deus para que em cada momento nos guie em conjunto e em unidade. Quando alguém olhar de fora possa dizer: Um só Espírito, um só Deus, uma só esperança.
Só há uma forma de governo e de autoridade, como ela se manifesta não nos cabe a nós decidir, mas podemos ver os frutos e acima de tudo o respeito pela singularidade, pela diferenciação, pela igualdade e especialmente pelas manifestações e capacitações do Espírito de Deus.
O Espírito de Deus guia conforme lhe aprouver, o objectivo não é criar métodos para o crescimento físico de uma congregação, nem o seu controle, mas o crescimento espiritual de todos membros até à estatura de Cristo, o resto vem por acréscimo. Os descrentes são atraídos a Cristo e às congregações quando Deus habita no seu meio, mas quem os convence não são as palavras, as influências, ou as amizades, mas o Espírito Santo de Deus. A Ele deve ser dado ouvidos e Ele respeitará a personalidade, a cultura, e tudo o que nos molda e que está de acordo com a vontade de Deus.
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Para algum esclarecimento contactar através do e-mail: blog.terradosreis@gmail.com.

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